A investigação, porém, pode reforçar o preconceito crescente contra a Rouanet, seus proponentes e beneficiários, já que nos últimos meses, dentro do flá-flu que tomou conta do debate político no país, a lei passou a ser atacada como um dos maiores males nacionais.
Nada mais equivocado. Cheguei a ouvir de amigos bem-intencionados que artistas eram comprados pelo governo com dinheiro da lei. Nada mais errôneo, já que o MinC apenas aprova os projetos que vão buscar o patrocínio nas empresas.
Desde sua criação, a lei estimulou, como nunca, a produção, a difusão e o acesso à cultura no país. É só olhar ao redor. São Paulo tem mais teatros que Paris, por exemplo.
Ao longo de mais de duas décadas, os recursos permitiram que grupos artísticos tivessem atuação estável, festivais dos mais diversos gêneros se firmassem, artistas criassem e produzissem, o patrimônio histórico fosse recuperado e, mais importante, o público visse ampliada as ofertas de produtos culturais e de lazer.
Muitas empresas antes distantes do mundo cultural passaram, com o benefício da lei, a utilizar o mecanismo, enxergando no patrocínio cultural uma possibilidade de ação. Com o resultado positivo, algumas ampliaram os investimentos, utilizando verbas de marketing para complementar as ações.
Instituições e artistas conseguiram, por meio de parcerias com empresas, uma atuação continuada. Além dos patrocínios via a lei, angariaram recursos adicionais com bilheteria e excursões, entre outros. É muito importante destacar este fato: os recursos da lei são multiplicados por outros agentes que entram na atividade cultural.
“Ora, atividades que não conseguem se sustentar por conta própria não deveriam existir.” Esse é um dos argumentos mais equivocados que ouço por aí.
Todos os países cujas culturas possuem destaque no mundo recebem muito mais recursos e incentivos governamentais do que o Brasil. Na França, apenas na atividade cinematográfica, são mais de € 2,4 bilhões por ano (cerca de R$ 9 bilhões, mais que o dobro da verba anual da Lei Rouanet para todas as linguagens no Brasil).
Nos Estados Unidos, pátria do liberalismo de mercado, a MPA (Motion Picture Association), entidade que reúne os maiores estúdios de cinema, chegou a ter o escritório dentro da Casa Branca.
Por que as pessoas comem hambúrguer, usam calça jeans e ouvem rock no mundo inteiro? A maciça presença do cinema americano no planeta, impulsionada pelo governo, conquistou corações, mentes e muito dinheiro. Ter uma cultura forte não é apenas questão filosófica. É questão econômica. Um país sem cultura será sempre um país menos influente.
Outro aspecto positivo é a capilaridade da lei. Qualquer artista, grupo ou instituição pode apresentar seu projeto e, cumprindo os requisitos, ser aprovado e partir em busca de patrocínio.
Existem problemas no funcionamento da lei? Claro que existem. Alguns projetos que não precisavam de apoio puderam captar. Verdade. Algumas empresas usam projetos para fazer ação de marketing com recurso público. Verdade. Alguns projetos apoiados apresentam elevados preços de ingressos. Verdade.
Esses casos, todavia, são minoria frente aos milhares de projetos que permitem a criação, a pesquisa, a preservação do patrimônio, a circulação, a difusão e o acesso à cultura, pelos quatro cantos do país. O que precisamos nesse momento é aperfeiçoar a lei, corrigir e impedir os excessos.
O ministro Marcelo Calero tem essa missão, e já se mostrou atento a ela. É fundamental ouvir os técnicos envolvidos na gestão, as instituições e grupos do mundo cultural.
André Sturm, cineasta, é diretor do MIS – Museu da Imagem e do Som de São Paulo e do cinema Caixa Belas Artes