FLIP VAI ALÉM DAS DISCUSSÕES LITERÁRIAS E ABORDA TAMBÉM A PRODUÇÃO CINEMATOGRÁFICA
O que pode acontecer nos próximos dias é que, mais do que confundir quem espera apenas encontrar autores de livros na Flip, essas cenas sirvam para esclarecer que o roteiro audiovisual merece um espaço de debate aprofundado no nível de uma festa literária. É o que deseja a curadoria, e é o que buscam importantes nomes do mercado de cinema e TV que, nesta 11ª edição da festa, resolveram aportar em Paraty.
Duas das mesas da Tenda dos Autores são dedicadas a dois dos mais importante cineastas brasileiros. Na sexta, às 21h30m, Nelson Pereira vai se reunir com a cantora Miúcha, sua colaboradora nos roteiros dos documentários “Raízes do Brasil — Uma cinebiografia de Sérgio Buarque de Holanda” (2003), “A música segundo Tom Jobim” (2012) e “A luz do Tom” (2013), para a mesa intitulada “Uma vida no cinema”. No dia seguinte, às 12h, será a vez de Eduardo Coutinho assumir o papel de estrela de uma mesa, mediada pelo também cineasta Eduardo Escorel, em que revisitará sua carreira.
— Tanto a literatura quanto o cinema são formas de narrativa. A estrutura de um filme se assemelha em muito à de um romance — diz Nelson Pereira, membro da Academia Brasileira de Letras desde 2006. — O problema é que, quando se fala de roteiro para cinema, pensa-se muito na forma como será filmado. É difícil pensar naquele roteiro como uma forma individual, ele é sempre visto como um pré-filme.
Arquitetura e música
O que a Flip propõe, contudo, é que esse “projeto” seja encarado como uma forma de criação literária. Já houve experiências em edições passadas, quando, por exemplo, a argentina Lucrecia Martel, diretora e roteirista de “O pântano” (2001), participou da festa em 2008. Mas a ideia se expandiu neste ano e pode evoluir ainda mais nas próximas edições — tanto para a produção audiovisual quanto para outras áreas, tendo em vista que a Flip trouxe para esta festa o arquiteto português Eduardo Souto de Moura e os astros da MPB Gilberto Gil e Maria Bethânia.
— Nós também convidamos alguns roteiristas de séries americanas para esta edição, mas eles não puderam vir — afirma o curador da Flip, Miguel Conde. — Se pensarmos na qualidade do que é escrito para a TV hoje, é natural que esses autores sejam incorporados à festa. O debate deve se estender para quem escreve para outros meios e não apenas para livros.
Além de Nelson Pereira e Coutinho, Conde contará na Flip 2013 com Eduardo Sacheri, autor de “O segredo dos seus olhos” (Suma de Letras/Objetiva), livro que deu origem ao longa-metragem homônimo do diretor Juan José Campanella e que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2010.
Sacheri, que escreveu o roteiro do filme em parceria com Campanella, virá ao Brasil para debater no sábado, às 20h, na Casa de Cultura de Paraty, o tema “Cinema e literatura”.
A escrita do cinema
Para o escritor e roteirista Eduardo Sacheri, a principal diferença entre os dois tipos de narrativa “se encontra no lugar que ocupa a palavra em ambas as linguagens estéticas”.
— Na literatura, a palavra é um recurso único. Mas sua exclusividade, longe de ser uma limitação, é uma fonte de possibilidades diversas. Ela exige do autor um trabalho delicado na seleção das palavras, nas vozes narrativas. Já no cinema, a palavra é um recurso entre muitos outros. O esforço narrativo deve estar voltado não tanto para a eficiência da palavra, mas para sustentar uma trama — afirma.
Esse tipo de debate sobre a narrativa audiovisual também vai prevalecer na programação da Casa do Autor Roteirista, iniciativa de Newton Cannito e Thelma Guedes que terá sua primeira edição em Paraty, em paralelo à Flip.
— Queremos mostrar como o roteiro é uma criação literária — diz Cannito, autor dos roteiros de “Quanto vale ou é por quilo” (2005) e “Bróder”(2010) e que vai lançar na Flip os livros “Manual do Bullying” e “Choque de tropicalismo”. — O roteirista é um autor. Discute-se muito técnica de roteiros, mas acho que falta discutir num campo intelectual, um debate sobre criação literária.
Na Casa do Autor Roteirista, haverá, entre outras atividades, um encontro entre o público e Luiz Fernando Carvalho, diretor de “Lavoura arcaica” (2001); a exibição do longa “A hora e a vez de Augusto Matraga” (2011), de Vinícius Coimbra; e um debate sobre o papel do roteirista. Entre os convidados, José Wilker, Maria de Medeiros, Lima Duarte, Ricardo Linhares, Paulo Lins e Nanda Costa.
Para completar, o Instituto Moreira Salles lança em Paraty uma caixa com os DVDs de “Vidas secas” (1963) e “Memórias do cárcere” (1984), ambos de Nelson Pereira, e “São Bernardo” (1972), de Leon Hirszman, todos filmes baseados em obras de Graciliano Ramos, homenageado nesta edição da Flip.
Fonte: O Globo