Há uma centena de TVs educativo-culturais e universitárias, mas as diretrizes e comandos políticos dessas emissoras sempre adotaram o viés da comunicação dos governos vigentes.
Inversamente, a Europa implantou TVs públicas de qualidade – BBC (Reino Unido), ZDF e ARD (Alemanha), ORF (Áustria), TVE (Espanha), RAI (Itália), RTP (Portugal), France Television.
Austrália, Japão, Canadá e os EUA também possuem TVs públicas vigorosas para a difusão de suas culturas dentro e fora de seus países. Por lá, são as TVs públicas que têm audiência significativa e modelos de parceria com a produção independente, gerando emprego e renda.
A TV privada na Europa é um marco recente e com regras de exploração bem definidas. Mesmo nos EUA, onde a TV comercial se desenvolveu desde a origem, regras e limites de produção própria das emissoras são legalmente fixados.
Em prol do interesse social, as concessões de radiodifusão educativa formam a maior rede instalada no país, em regiões onde o mercado e as redes comerciais não têm interesse. É sob essa malha de cobertura que a TV pública brasileira deve cumprir seu papel.
No Brasil, as TVs comerciais impuseram um modelo de aferição de audiência para atender a publicidade. Esse modelo viciado e casuísta de mensuração não serve para a TV pública, que tem função social, formas de avaliação de audiência e resultados de efetividade de seus programas muito distintos da frenética busca por audiência de massa.
A Constituição Federal de 1988 previu a complementaridade dos sistemas de radiodifusão, público e estatal, em seu artigo 223, mas o conceito de público não é entendido pela sociedade brasileira e nem por seus representantes nas esferas de poder.
Em 2007, com a criação da TV Brasil, houve uma fugaz esperança de que fosse um marco para a comunicação pública. Mas sob a estatal mantenedora, a EBC, o governo federal combinou ingredientes que não se misturam: TV e rádios de perfil cultural com TV e rádios de função estatal. A antiga TVE do Rio deu origem à TV Brasil, mas foi incorporada à voraz comunicação estatal, abandonando a perspectiva de exercer papel público e cumprir o preceito constitucional.
A TV Brasil repetiu o modelo, tentando produzir tudo o que exibe e exibir tudo o que produz. Não estabeleceu uma parceria de fato com a produção independente, que, além da natureza criativa, hoje assume a contratação de recursos retornáveis ao Fundo Setorial e outros mecanismos de fomento e que pode ser a parceira ideal para a TV pública brasileira.
Um segmento hoje protagonista no cinema e nos canais de TV por assinatura, de qualidade reconhecida internacionalmente, com séries, documentários, longas-metragens e animações consagrados por prêmios mundiais.
No momento em que se acende o debate sobre a EBC/TV Brasil, é preciso olhar para a diferença entre o que há de público e de estatal nesse arcabouço. É imperativo reestruturar a empresa, o quadro de pessoal e não permitir o aparelhamento político-partidário.
As TVs públicas mundiais possuem estrutura profissional qualificada e concentram os melhores quadros em editorias temáticas que identificam os projetos da produção independente que serão coproduzidos.
Com austeridade, há uma nova oportunidade de se entregar à sociedade brasileira uma verdadeira TV pública, que possa representar nossa diversidade, nossa identidade cultural e ser significado de nosso povo.
MAURO GARCIA é presidente executivo da ABPITV – Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão.