O sr. já disse que escrever roteiros é uma forma de arte e aconselha que os roteiristas se mantenham distantes do marketing e da área de negócios dos filmes. É possível?
Encorajo os roteiristas a não se preocupar com considerações comerciais e a escrever com o coração. Sugiro que escrevam apaixonadamente a respeito de personagens e problemas sobre os quais tenham curiosidade e fascinação. Que escrevam tão profunda e lindamente quanto possam, colocando o roteiro num mundo de que as pessoas gostem. Contar histórias é uma forma de arte com várias dimensões. A visão de Hollywood é somente uma delas. Se quiser ganhar dinheiro, crie um videogame.
Em que escrever roteiros é diferente de outras formas de escrita, como a literatura, por exemplo?
A dificuldade de escrever roteiros é que não se pode confiar somente na linguagem. O romance é uma forma muito ditatorial. O romancista tem sua mente no texto dele, controla o modo que você pensa. Você vê o que ele quer que veja, pensa o que ele quer que pense. O dramaturgo pode escrever diálogos que nenhum ser humano disse na história e pode elevar a linguagem a um nível de expressividade como Shakespeare fez. Mas um roteirista escreve por meio de imagens. E os diálogos em um filme são muito naturais. E, se você tentar ser épico, parecerá artificial, falso. Tem de escrever conversas naturais e contar a história em imagens, não por meio da linguagem. Imagens que serão interpretadas por diretor, fotógrafo, editores, atores etc. A arte do roteiro também é deixar branco nas páginas e não preencher esses espaços com palavras. Deixar as partes em branco, a serem preenchidas, é o mais difícil. Roteirizar é uma forma tecnicamente difícil de contar uma história.
Como o sr. se viu como personagem do filme “Adaptação” (2002)?
Foi gratificante. Recebi um telefone do produtor Ed Saxon, muito envergonhado, dizendo que os roteiristas do filme tinham me colocado como personagem. Ele dizia que não sabia o que fazer. Li o roteiro de Charles Kauffmann. Muito irônico. E ele precisava da força do antagonismo deste personagem contra o dele. E decidiu que eu teria a combinação perfeita de qualidades numa mão e em outra ser a inspiração para o personagem. O trabalho final acabou ficando divertido.
O que o sr. conhece do cinema brasileiro?
Conheço clássicos, como “Dona Flor e seus dois maridos”, “Cidade de Deus”, “O beijo da mulher-aranha”. Sei que têm tido problemas em agradar às gerações mais recentes. Vocês têm diretores-autores que canibalizam romances. Se o Brasil tivesse mais diretores-escritores com visões originais, com habilidade de construir um soberbo roteiro original e dirigi-lo, talvez estivesse mais fortalecido na produção de roteiros e na direção. Porque roteirizar é a primeira arte. Dirigir é complementar o que o roteiro começou, é uma interpretação do roteiro. Escrever é uma forma de arte original. Se não há artistas originais que possam escrever histórias originais para interpretá-las e levá-las à tela, toda a indústria sofre. Se estiver sempre dependendo de romancistas para criar material para os diretores interpretarem, criará uma política fraca. Reciclar romances não é do que trata o cinema, forma de arte original, que precisa de visões e criatividade originais. Romances em geral dão filmes fracos, porque não são da linguagem original do cinema.
Fonte: Plínio Fraga/ O Globo